Para Nilima Bhat, defensora do movimento Capitalismo Consciente, a crise do coronavírus não pode ser desperdiçada
A ideia de voltar à realidade de antes da pandemia do novo coronavírus assusta a indiana Nilima Bhat, defensora do movimento Capitalismo Consciente e especialista nas áreas de liderança e igualdade de gênero. “Se voltarmos ao que éramos antes da pandemia, sem nenhum tipo de mudança, isso será simplesmente triste”, diz.
Nilima se apresentou nesta semana durante Festival Alma, realizado pelo Grupo Anga, Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB) e Sistema B, com curadoria da startup Humanizadas. Após a palestra, conversou com Época NEGÓCIOS com exclusividade sobre pandemia, igualdade de gênero e oportunidades trazidas pela crise do coronavírus.
Na sua visão, a pandemia traz reflexões importantes para líderes e donos de empresas. “Se o seu negócio não vai deixar o mundo melhor, por que criá-lo?”, diz. Seguindo o exemplo do bom trabalho realizado pelos países liderados por mulheres na luta contra a pandemia, Nilima espera que as empresas entendam ainda mais a necessidade de criar ambientes igualitários.
Abaixo, confira a entrevista completa:
Época NEGÓCIOS: Você acredita que o conceito do Capitalismo Consciente ganhou ainda mais relevância durante a pandemia? Nilima Bhat: Acredito que essa é quase uma pergunta retórica, porque claro que sim. Antes dessa crise, líderes de negócios reconheciam o valor do conceito, mas achavam que ainda não era hora de trabalhar dessa forma. “Minhas estratégias estão funcionando… Por que preciso disso?”, muitos pensavam. Mas hoje, com tudo isso que estamos passando, com negócios fechando mundo afora, fica clara a necessidade de novos paradigmas no mundo dos negócios. O antigo paradigma falhou. Então é preciso pensar em novas alternativas e eu gosto de acreditar que o capitalismo consciente é uma delas. Se temos líderes conscientes, também temos culturas construídas com base no amor e na empatia, e uma cadeia de negócio integrada e bem-sucedida. Mas o mais importante de tudo: o seu negócio vai deixar o mundo melhor. Se não deixar, por que criá-lo? Qual é o motivo da sua existência? Se você criar um negócio que vai arruinar o planeta, vai morrer com ele, certo?
Após a pandemia, quais serão as principais mudanças na forma como fazemos negócios? Para ser honesta, eu sinto que companhias cujos produtos e serviços não elevarem o senso de humanidade ou não ajudarem o planeta vão fechar. É uma questão de tempo. E somente empresas que trazem sustentabilidade, que ajudam a criar sociedades mais igualitárias, vão sobreviver e prosperar. Na minha visão, não é suficiente mudar somente o seu negócio, mas mudar o sistema em que o negócio está inserido. Isso significa encontrar valor no que vai além do financeiro. Enquanto o dinheiro for prioridade para a economia, nós vamos viver uma pandemia atrás da outra.
Isso é uma revolução ou um curso natural? Acho que um pouco dos dois. Acredito que chegamos num momento de mudança de estado. Gosto de usar o exemplo da água fervendo. Enquanto você sobe a temperatura da água aos poucos, ela segue no mesmo estado; mas quando você atinge um determinado número, ela evapora, certo? Eu acho que estamos passando por esse exato momento.
Na verdade, estou avidamente olhando para o mundo em busca de líderes nos campos da ciência, política, filosofia, sociologia e cultura. Nos pós-guerras, por exemplo, tivemos a definição de modelos econômicos como capitalismo e socialismo e agora precisamos evoluir essas ideias. Precisamos deixar alguns velhos conceitos morrerem para novas ideias surgirem. Acho que a pandemia do coronavírus é o momento perfeito para essas vozes surgirem. Não consigo acreditar que nós, enquanto espécie, não temos as respostas.
É impossível discutir isso sem falar de diversidade. Por que você acredita ser tão importante promover a equidade de gênero no mercado de trabalho? De um jeito muito básico, é impossível ter um e não ter o outro. No momento que nós supervalorizamos um e subestimamos o outro, nós morremos. Como na respiração, é preciso inspirar e expirar. Sem o balanço, você cria doenças, você cria mortes.
Nova Zelândia, Alemanha, Dinamarca… Todos esses países têm a liderança feminina em comum, e são países que se tornaram exemplo no combate à pandemia. Por que acha que isso aconteceu? A minha intuição diz que, quando se é uma mulher enfrentando uma crise, você vai tentar proteger todos. Você vai se certificar de que todas as crianças estão sendo bem cuidadas, como num instinto materno. Essas mulheres de que nós estamos falando [líderes da Nova Zelândia, Alemanha e Dinamarca] tomaram atitudes para cuidar das pessoas. Enquanto líderes homens talvez tendam a pensar em outras questões durante esses momentos, como em possíveis crises econômicas, por exemplo. E acho que as mulheres se destacaram justamente porque a pandemia é uma crise de saúde. Talvez se fosse uma guerra, os líderes homens pulariam na frente para assumir o problema, porque nesse tipo de conflito eles se julgam as pessoas corretas para estar na linha de frente.
Em países menos desenvolvidos, as mulheres costumam ser as principais vítimas da crise econômica. Como empresas podem trabalhar para não contribuir para isso? Tudo tem que ser intencional. Essa é uma questão que deve entrar na lista de prioridades, com prazo, metas de entrega e responsáveis diretos. Se não for assim, não sairá do papel. Acredito que tudo começa pela liderança. Os líderes dessas companhias vão ter que entender que precisam de mulheres na sua força de trabalho - inclusive dentro da liderança. Então, as empresas precisam trabalhar para facilitar a entrada dessas profissionais, criando programas de diversidade com metas dentro do negócio.
E você acredita que isso vai de fato acontecer? Eu sigo falando: não desperdicem essa crise. Se voltarmos à realidade de antes da pandemia, sem nenhum tipo de mudança, isso será simplesmente triste. Então, eu acho que líderes têm essa oportunidade para olhar e criar um mundo mais igualitário, gente disposta a fazer as coisas de uma maneira diferente.
Reprodução: Época Negócios
Considerando a realidade sócio-econômica em que vivemos, entendo que o questionamento quanto a prioridade do dinheiro não quer dizer que acabemos com o dinheiro como elemento de troca, mas sim que o dinheiro possa ser o resultado do valor agregado oferecido para a sociedade. Talvez tenhamos que trocar o foco de MERCADORIA cujo alvo é o mercado para BEM cujo alvo sejam as necessidades das pessoas. Sob este ângulo pode ser menos difícil irmos redirecionando o modelo industrial aos poucos, setor a setor até que estejamos conscientes. Começar com a necessidade das pessoas de não degradar o ambiente já é um grande começo.