por Marco Antonio de Barros Penteado para Revista RI
Em 22 de agosto do ano passado, a revista The Economist publicou o artigo: “What companies are for” questionando: Para que servem as companhias, sendo que a tradução em um jornal brasileiro (O capitalismo não anda bem - O Estado de São Paulo, 01/09/2019, B10) alertava que o capitalismo não ia bem. O artigo abordava a desigualdade social, os danos ao meio ambiente, a pressão sobre os funcionários, a falta de uma política eficaz. Destacava o desejo, mostrado pelos profissionais jovens, de trabalhar para empresas que tivessem visão mais ampla de seus negócios e nas quais o atingimento das metas de lucro fosse mais abrangente e tivesse maior alcance do que o simples enriquecimento de seus proprietários.
Como exemplo, o artigo cita a Microsoft, que está financiando um projeto habitacional de US$ 500 milhões em Seattle para expandir a sede na região de Redmond, auxiliar os mais de oito mil funcionários a encontrar residência próxima ao local de trabalho e, também, para cuidar da situação dos sem-teto.
O artigo termina alertando que o mundo precisa de inovação, de um tipo mais esclarecido de capitalismo com um maior número de proprietários e de empresas que se adaptem às necessidades da sociedade.
E eis que, em meio a esses questionamentos, o mundo foi atingido pela crise do novo coronavírus. Uma crise sem precedentes na dimensão, algo inusitado e inimaginável! Não sabemos até onde irá em termos de o que vai ser afetado, que rumo tomará, quanto tempo durará e por aí vai. Podemos ter certeza, no entanto, de que a vida, os costumes, o mundo, não serão mais os mesmos no pós-crise. No momento, nossa escala de valores, que louva o excesso, o supérfluo, está subvertida.
Estamos diante de uma disruptura de tamanho e consequências totalmente imprevisíveis, que teve o condão de nos levar a um “basta!” e fazer-nos refletir.
Já estamos tendo notícias das pressões sociais emergentes em vários países, as quais deverão ser a tônica do pós-crise: alta demanda por seguro desemprego, uma legião de trabalhadores desempregados, famintos, desesperados diante da família a sustentar, sem perspectivas e sem condições de subsistência. Trabalhadores estes cujas atividades já vinham sofrendo a ameaça da inteligência artificial e o atraso do ensino para a atualização técnica profissional, aos quais se soma, nesta hora, a redução das atividades como um todo, o corte de custos e o medo do contágio.
Os governos terão de ser ágeis, rápidos e eficientes para evitar a eclosão de severa crise social de proporções incalculáveis. A vida das empresas não será mais a mesma durante um longo tempo, se é que um dia voltará a ser.
ENFOQUE
A governança corporativa sofrerá profundas mutações. Antes centrada nos shareholders, com o tempo passou a focalizar os stakeholders. Só que a, partir de agora, a preocupação será outra, o foco estará nos “noholders”, usualmente ignorados pela economia e que não possuem participação em nada, nem coisa alguma, ou seja, os desprovidos e desvalidos, sem reservas, sem poupança... Não, você não leu errado, essa palavra não existe, foi criada para significar exatamente esse estado de coisas que, note-se, sempre existiu, mas não despertava a atenção. É todo um contingente de trabalhadores de linha de frente, profissionais invisíveis sob o ponto de vista econômico. São eles as faxineiras, domésticas diaristas, encanadores, eletricistas, mecânicos, motoristas de táxi, barbeiros, tintureiros, garçons, padeiros, jornaleiros, pedreiros, vendedores ambulantes, motoboys, trabalhadores informais e um sem número de prestadores de serviço de menor remuneração, porém imprescindíveis. Este será, doravante, o foco das preocupações.
Em recente seminário promovido por um banco foi perguntado ao palestrante, seu presidente, o que essa instituição estava fazendo para atender aos questionamentos trazidos pela Triple Bottom Line e a ASG. Ele respondeu que o banco tinha a preocupação de, ao conceder um financiamento, saber que destino teriam aqueles recursos, onde e com que fim seriam aplicados. Em outras palavras, ele tentou descrever qual seria a ética nos negócios do banco.
A aplicação dos conceitos de ética vai evoluir, a questão agora é outra: as empresas serão julgadas não pela aplicação da ética nas atividades do seu negócio, mas pela ética do negócio em si.
Como exemplo, temos dois excelentes livros de Paul Hellyer, ex-ministro da defesa do Canadá: Light at the end of the tunnel e The Money Mafia, nos quais ele põe a nu as deficiências do sistema bancário americano. É triste e desoladora a realidade por ele apresentada, trata-se de um sistema onde só importa o benefício próprio da cúpula que domina o cartel e o exercício do poder. Com a crise, defrontamo-nos com uma mudança de paradigma e este estado de coisas não pode ser mais o mesmo.
Para ilustrar o problema, recorreremos a um fenômeno elétrico chamado transiente.
Você está lendo um livro à noite e de repente acaba a energia elétrica, as luzes se apagam. Você espera mas, como a luz não volta, você vai dormir, sem se lembrar quais lâmpadas estavam acesas. E no dia seguinte você vai notar que algumas das lâmpadas queimaram quando a energia voltou. Isso ocorre antes que o sistema se estabilize, ou entre em regime, devido a um excesso de tensão que sempre acontece quando do retorno da energia, há um pico de corrente caracterizado pelo fenômeno chamado transiente, ilustrado na figura abaixo. A escala vertical não importa e sim a conformação do gráfico.
Ao retornar a energia, se dá o mesmo que ao ligar a chave geral, a tensão dá um pico, atingindo valores superiores àqueles tolerados por elementos do circuito, cuja oscilação vai rapidamente diminuindo até voltar a se estabilizar.
Em situações de crise, como a que vivemos agora, de guerras ou crises sociais, o comportamento das pessoas segue o mesmo padrão. Começa a crise, as pessoas, temerosas de escassez de gêneros, fazem estoques superiores ao necessário, as mercadorias nos supermercados começam a faltar pelo excesso de compras e não pela queda da produção, até que os indivíduos percebam que as compras foram excessivas, passam a comprar menos e aí então, gradativamente, as coisas vão voltando ao normal. Foi o que aconteceu com certos bens de consumo e ainda está acontecendo com a hidroxicloroquina.
Na crise atual, na massa de trabalhadores ocorre o mesmo. Ao começar a crise há um abalo inicial, o pico do transiente, de cuja amplitude não se tem ainda a menor ideia, compõe- -se de milhares ou milhões de desesperados, sem emprego, sem recursos, sem perspectivas, que promovem um grande movimento. É o pico. Suas reclamações vão sendo aos poucos atendidas, as subidas e descidas da curva começam a diminuir. Um segundo grupo, menor, protesta, o processo se repete, agora em menor escala, um pico menor, e assim sucessivamente, até que cessem as reivindicações e o sistema atinja o equilíbrio, ou entre em regime.
Essa é a preocupação com o curto prazo: não sabemos a altura do pico do transiente, ou sua amplitude, ou seja, o contingente de trabalhadores afetados, basicamente os noholders, nem a duração do amortecimento da oscilação até que volte (?!) ao equilíbrio, ou quão longe está o atingimento do regime. E nesse ínterim, como prover-lhes condições mínimas e dignas de sobrevivência?
Será que a Ética e a Lógica terão lugar nas mentes abala das? O que seria mais lógico, ou mais ético: aumentar o isolamento individual, diminuindo a velocidade de expansão do contágio que leva ao esgotamento dos recursos disponíveis no sistema de saúde e à dramática escolha de quem vai morrer, o que já vem ocorrendo, assim contendo o número de mortes e com isso correndo o risco de um desastre econômico mais à frente; ou começar a liberar o isolamento para evitar uma próxima quebra econômica, correndo o risco de aceleração da contaminação que pode levar ao colapso o sistema de saúde, para evitar um maior dano financeiro?
Difícil dizer, é um problema de não fácil solução. Vidas perdidas não podem ser recuperadas. A quebra econômica e seus tentáculos -- que já estão aparecendo -- será profunda e evidente, mais dia menos dia, com certeza e com dimensões assustadoras pode, entretanto, ser contornada. Einstein já dizia que não podemos resolver problemas empregando o mesmo pensamento que usamos quando os criamos, o mindset vigente não vai resolver a questão.
Sabe-se que a necessidade é a mãe da invenção, da criatividade. Se cabeças dotadas de vontade, propósito, interesse e determinação se unirem com a intenção de achar uma saída, com certeza ela será encontrada. A inteligência humana é capaz de perpetrar milagres!
Já houve um Plano Marshall, criado para mitigar uma crise econômica que surgiu depois da Segunda Guerra.
Em 1776 Adam Smith escreveu que todo indivíduo busca continuamente a melhor aplicação para seus recursos tendo em vista sua própria vantagem. Ao fazer com que seu produto tenha o máximo valor possível, cada um estaria contribuindo para maximizar a renda da sociedade, concluindo que é como se uma mão invisível o conduzisse a um resultado que não era seu objetivo. A preocupação básica era consigo próprio, o “outro” não estava no radar.
Por outro lado, em 1951, o matemático John Nash estabeleceu o que foi chamado de Equilíbrio de Nash, ao escrever que “uma empresa faz o melhor que pode em função daquilo que está sendo feito pelas suas concorrentes”, as “outras” começam a ser consideradas, a servir de referência.
Analisando a atual conjuntura e inserindo no contexto esses dois conceitos constatamos que a mão invisível temporariamente sai de cena e o palco será ocupado pelo equilíbrio de Nash.
A estabilidade social vai depender de o que estão fazendo os diversos segmentos da economia no sentido de reduzir as desigualdades até então existentes, marcantes, dentre os mais variados estratos das populações de todo o planeta.
É preciso abrir mão da egolatria. Agora não se trata de buscar saber “quanto eu terei de desconto de impostos se eu ajudar tal ou qual instituição”, mas sim ajudar com base em princípios, valores e ética, num misto de solidariedade, altruísmo, filantropia e a busca pela sobrevivência conjunta, global, do todo, de todos e de cada um.
Mas há que ser um esforço não de apenas alguns, só haverá solução se todos os países se dispuserem a trabalhar juntos.
Não é por coincidência que os princípios enunciados acima são encontrados nas doutrinas de Jesus; de Kardec, com as mensagens dos espíritos; e na Cabala.
Quem sabe se a solução não seria uma moratória ampla, geral e irrestrita: zerar o hodômetro e começar tudo outra vez, a partir do zero.
Utopia? Cremos que não. Podem ser necessários um renascimento e uma profunda revolução nos princípios econômicos e em sua aplicação prática.
Ainda restam esperanças: relembremos Einstein.
* Marco Antonio de Barros Penteado CNPI, Prof. Dr. - Engenheiro Eletrônico pela
Escola de Engenharia MAUÁ, pós-graduado em Administração de Empresas pela FGV, Mestre e Doutor em Administração pela FEA/USP, conselheiro certificado pelo IBGC. Experiência de mais de 15 anos em Análise de Investimentos, foi diretor e conselheiro da APIMEC, é professor de Análise Gráfica há mais de 20 anos.
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