por Octavio Milliet*
O sistema capitalista que prevaleceu nas últimas décadas parece estar esgotado. Não é mais possível que as empresas negligenciem o bem-estar de seus consumidores e o impacto negativo gerado na sociedade, fornecedores e funcionários, em benefício somente do lucro.
Na última década, um novo olhar para o capitalismo tem ganhado força. Um capitalismo onde a geração de valor econômico para as empresas é acompanhado da geração de valor para a sociedade. Não me refiro aqui especificamente à responsabilidade social ou filantropia, mas a um conceito que redefine as fronteiras do capitalismo para atingir sucesso econômico, conhecido como Creating Shared Value (em tradução literal, Criando Valor Compartilhado). Esse conceito, foi abordado pela primeira vez na edição de janeiro de 2011 da HBR, pelos Profs. Michael Porter e Mark Kramer da Harvard Business School.
Filantropia ajuda, mas não resolve os grandes problemas. É fundamentalmente limitado por depender de doações. Os programas de responsabilidade social das empresas são ações mais amplas que filantropia, também é bom, gera impacto positivo e deve continuar, porém, assim como a filantropia, não está resolvendo os problemas de forma mais ampla.
Estratégia de negócios e impacto social precisam estar amarrados e caminhando juntos. Na prática, na larga maioria das empresas, não funciona desta forma. As discussões sobre estratégia de negócios são feitas em fóruns diferentes do que é decidido sobre as medidas de impacto social.
Porter, referência no mundo em estratégia de negócios, coloca que não é possível ter as decisões de impacto social separadas do negócio em si. Existe um poder enorme de impacto positivo na sociedade quando essas decisões passam a caminhar juntas. Isso é algo muito especial e que começa a ganhar força no ambiente corporativo, podendo fazer uma grande diferença no mundo.
Mas por que as empresas precisam se preocupar com o mundo e com a sociedade?
Primeiro de tudo, porque temos diversos problemas a serem endereçados, como: saúde, habitação para população de baixa renda, educação, meio ambiente... são muitos, independentemente do nível de desenvolvimento do país. Segundo, porque os governos e as ONGs, não são capazes de resolver todos esses problemas. Os governos estão sobrecarregados e não têm capacidade e recursos suficientes para endereçar todos os problemas da sociedade e as ONGs dependem de doações, já que atuam em um modelo onde captam recursos para oferecer serviços sem custo para a sociedade. Por sinal, é um modelo importante, necessário e muito bem feito por várias organizações no mundo, porém limitado e sem abrangência em larga escala.
Com isso, as únicas “instituições” capazes de resolver esses problemas, são as empresas. Na prática, as empresas privadas são as únicas geradoras de riqueza. Muitas pessoas acham que o lucro das empresas é gerado ao retirar algo da sociedade, mas na verdade o lucro é o que permite as reais soluções para as necessidades da sociedade.
Como repensar o papel do mundo de negócios na sociedade? Reconhecendo o poder que as empresas possuem, dando a elas espaço e a possibilidade única de impactar positivamente a sociedade. Uma evolução do pensamento dos últimos 30/40 anos. E aqui fica um recado para o cidadão brasileiro que tem a intenção de vestir a próxima faixa presidencial.
A ideia típica do mundo dos negócios era: ganhar dinheiro, gerar empregos, pagar impostos e That`s it! O ponto é que, no mundo em que vivemos, isso não é mais o suficiente! Há algo mais a ser feito e, naturalmente, existem alguns caminhos para isso.
Qual seria então o modelo poderoso de impacto social? Creating Shared Value.
Shared Value significa que, ao invés de somente doar dinheiro ou somente ser um bom cidadão/empresa, o impacto mais poderoso será gerado quando os problemas e necessidades sociais forem endereçados junto com um modelo de negócios, ou seja, para gerar lucro. Existe a ideia de que geração de lucro é incompatível com solução de problemas sociais, mas o que Porter observa é que, na verdade, quando as empresas se conectam e atendem os problemas sociais, isso se torna uma forma muito poderosa de aumentar o lucro em diversas circunstâncias. E o lucro permite escalabilidade, é autossustentável, é autofinanciável! Isso é muito poderoso!
O objetivo aqui é mostrar que não existe conflito entre atender as necessidades sociais, ambientais e ter sucesso econômico. Existe uma sinergia estrutural ao endereçar esses dois caminhos em conjunto. Cada empresa pode e deve identificar onde é possível compartilhar valor. Shared Value não é algo comum para todas as empresas, mas sim específico para cada uma delas. As maiores oportunidades de negócios no mundo atual podem estar concentradas em atender as necessidades sociais. Necessidades essas que não estão sendo atendidas! O ponto chave é identificar como atender estas demandas sociais como um negócio rentável, ao invés de ser um doador, como abordado acima.
Cito aqui dois exemplos de criação de Shared Value, uma empresa estrangeira e outra brasileira:
A Discovery Health, atualmente uma das maiores seguradoras do mundo, teve um enorme sucesso vinculando um programa de saúde e bem-estar ao seguro. Ou seja, desenvolveram um produto para estimular clientes a terem hábitos saudáveis, como por exemplo, ir à academia ou comprar alimentos saudáveis e, com isso, reduzir seus custos de seguro. O que eles aprenderam é que as pessoas responderam a estes incentivos, ficaram menos doentes e foram menos ao hospital. É uma empresa altamente rentável, atualmente presente em vários lugares do mundo e em grande crescimento. Tudo isso criando valor compartilhado (Shared Value), melhorando a saúde das pessoas.
O caso brasileiro é da empresa de microcrédito, Avante, que facilita a vida de microempreendedores, inclusive tendo um conselho composto só por eles, que focou em atender cidadãos da base da pirâmide, pequenos comerciantes que não tinham acesso e relacionamento com o sistema bancário. Com esse modelo de negócio, eles podem impactar inúmeras famílias. Outro exemplo de Shared Value.
Há um número crescente de empresas no mundo desenvolvendo iniciativas para criação de Shared Value e cito algumas como Walmart, Nestlé, Patagonia, Southwest Airlines, WholeFoods, Cisco, as brasileiras Fibria e Grupo Reserva etc.
O propósito de um negócio deve ser criar valor econômico de forma que também crie valor para a sociedade. Negócios atuando como negócios, não como empresas de caridade! Esse é o caminho mais poderoso de endereçar os problemas e necessidade sociais do mundo atual.
Construir uma estratégia de negócios conectada com criação de valor para a sociedade dá à empresa um grande senso de propósito e um novo olhar para o capitalismo. Não podemos mais conviver com o capitalismo selvagem, cujo único propósito é o lucro a qualquer preço.
Falando em senso de propósito, esse é um tema muito bem explorado no best-seller Capitalismo Consciente, de John Mackey, co-fundador do Whole Foods e Raj Sisodia. Eles abordam o Propósito Maior, ou seja, como empresas podem criar valor não somente para si mesmas, mas também para seus clientes, colaboradores, fornecedores, investidores, a comunidade e o meio ambiente.
Lucro e valor econômico gerado pelas empresas não devem ser vistos com preconceito e, podem sim gerar um grande impacto positivo para a sociedade. No entanto, durante décadas, prevaleceu nos modelos de gestão das empresas, um foco incondicional no lucro a qualquer custo, em detrimento do também progresso social.
Ter um propósito é entender como a sua empresa pode servir ao mundo. A forma de se olhar para o Capitalismo mudou. Vivemos tempos de mudanças. A única constante atualmente é a mudança. Da lista original da Fortune 500 de 1955, 429 marcas não existem mais! Portanto, é evidente que as empresas precisam estar atentas às tendências, e essa, é uma delas. As empresas precisam enxergar que possuem um papel fundamental nesta reconexão com a sociedade.
No mês passado o CEO da BlackRock, uma das maiores e mais influentes empresas do mundo de gestão de recursos de clientes, Larry Fink, enviou uma carta às empresas nas quais o fundo possui investimento, solicitando que “todas as empresas gerem não somente resultados financeiros, mas também demonstrem como elas impactam positivamente a sociedade.”
Felizmente, parece que o mundo está desenvolvendo um novo olhar para o capitalismo, para o bem da realidade corporativa e da sociedade como um todo.
Octavio Milliet é Alumni da Harvard Business School, Sócio Fundador da Mapa Participação S/A, Membro do Conselho da Priner Serviços Industriais e da Entrepreneurs` Organization.
*Octavio Milliet é Fundador e CEO da xTree, Alumni da Harvard Business School, Sócio Fundador da Mapa Participação S/A, Membro do Conselho da Priner Serviços Industriais e da Entrepreneurs` Organization.
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