por Luiz Fernando Schvartzman*
Se o problema fosse “apenas” encontrar investimentos que superem o IBOV, ou superar os 100% da taxa SELIC, seria fácil e o problema financeiro do brasileiro estaria resolvido. Muitos profissionais, fundos de investimento e robôs conseguem, constantemente, superar estes resultados de investimentos, mas estão longe de resolver o problema. Por outro lado, não basta dizer o óbvio que todos já sabem:
“Guarde X% do seu salário para investir”, “Nunca gaste mais do que ganha”, ou “Invista em ações, fundos imobiliários e outros”, além de “Evite financiamentos e cheque especial”.
A simplicidade na forma de trabalhar com finanças pessoais é um caminho para prejuízos, ainda mais se tratada de forma ingênua e rasa, dizendo o senso comum. Segundo a ANBIMA, apenas 8% da população brasileira investiu em 2020. Notadamente o problema não é encontrar bons investimentos, mas, conseguir investir. Certamente, os demais 92% da população não deixaram de investir devido ao custo de corretagem, ou não encontraram boas opções de investimentos. Assim como, grande parte da população que está endividada, não avaliaram profundamente diversas opções e preferiram contrair um empréstimo por uma estratégia de fluxo de caixa.
O problema da gestão financeira está enraizado em nossa cultura, e não é uma mazela que atinge apenas aos mais pobres, embora estes sejam os mais prejudicados. Não depositamos a devida atenção em ter uma reserva de emergência, conhecer bem os gastos, poupar dinheiro para o futuro ou até mesmo se informar sobre taxas de juros e financiamentos. E tudo isso gera um prejuízo enorme a qualidade de vida dos brasileiros.
Mas qual a nossa responsabilidade, profissionais do mercado financeiro, sobre este problema?
Durante muito tempo a única preocupação das empresas foi gerar bons resultados e lucros para seus acionistas. Empresas causaram enormes impactos sociais, ambientais e econômicos, sem medir e compreender a imputabilidade de tudo isso. No entanto, governos e sociedade se posicionaram contra, exigindo negócios mais conscientes e responsáveis. Novas leis e acordos foram criados para preservar o meio ambiente e o bem-estar social, no entanto, o mercado financeiro ainda foi pouco se mobilizou sobre o seu real impacto que causam.
Danificar recursos naturais e sociais é tão perverso que oferecer juros abusivos, ou aproveitar da ignorância financeira das pessoas e ofertar produtos sem responsabilidade ao comprador. Não basta dar lucros, deve atender aos anseios e preocupações da sociedade.
Uma pesquisa realizada pela gestora de ativos global BlackRock sobre o sentimento e as atitudes das pessoas em relação aos investimentos mostra que para 56% dos entrevistados o dinheiro é a principal fonte de estresse, superando saúde, família e trabalho.
O trabalho de um profissional do mercado financeiro deve - ou deveria - compreender os anseios da sociedade, criando um trabalho justo, honesto e transformador. Não falta mercado para isso. São milhões de pessoas que precisam de ajuda com suas finanças, seja investindo seu imenso patrimônio, ou reorganizando suas pequenas finanças pessoais, bem como melhorando suas dívidas ou tomando melhores decisões financeiras.
Na vanguarda desta transformação estão os planejadores e educadores financeiros. Estes
profissionais, diferentemente de todos os demais do mercado financeiro, são remunerados e trabalham diretamente servindo os interesses do seu cliente e não de bancos, seguradoras e corretoras que pagam comissões para seus profissionais e parceiros venderem o que muitas vezes o cliente não precisa.
O planejador financeiro pessoal vai muito além do dinheiro. É preciso lidar com sentimentos, angústias, expectativas, frustrações, mudanças, adaptações, resiliência e foco. Finanças pessoais retratam a necessidade de uma vida melhor, seja para o endividado ou para o afortunado.
Afinal, todos sofremos com dilemas, agonias e dúvidas que vão muito além dos números e que afetam diretamente nossas escolhas diárias. Isso mostra como as finanças pessoais têm tomado uma importância tão grande, que deixou de ser “apenas” uma área da matemática.
Estamos vivenciando um momento conturbado, com diversas incertezas no ambiente social, econômico, político (e atualmente epidemiológico), gerando dúvidas e inseguranças.
Se por um lado a tecnologia e os avanços na saúde, comunicação e transporte nos trouxeram diversos benefícios de qualidade de vida, por outro lado evidenciaram vários problemas da sociedade. Dentre eles as finanças pessoais.
Uma contradição, pois tais finanças pessoais deveriam ser vistas, justamente, como um elemento básico de desenvolvimento, um instrumento essencial para a aumentar a qualidade de vida das pessoas e contribuir para uma sociedade melhor.
Entretanto, a forma precária como as finanças são tratadas geram o efeito contrário. O dinheiro passa a ser motivo de preocupação e não a solução. Quanto mais controle e organização financeira, maior será a capacidade que as pessoas terão em consumir, inventar, desenvolver, estudar, evoluir e assim, todos crescem juntos.
Precisamos virar este jogo e o mercado financeiro é corresponsável pelo momento que vivemos em relação às finanças pessoais, mas pode ser o grande protagonista de uma mudança consistente para uma vida melhor.
*Luiz Fernando Schvartzman é CEO do Vista Fintech - CFP®️ e administrador de empresas
com especialização em Gestão de Negócios pela FDC. Fez MBA em economia brasileira pela USP e com uma tese sobre “A importância do desenvolvimento das finanças pessoais para o crescimento sustentável do país”. Atua como planejador financeiro pessoal desde 2012, anteriormente teve um escritório de AAI vinculado a XP, Um Investimentos e Citi Bank.
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