fator de felicidade ou exclusão?
Por Capitalismo Consciente
“Henry Thoreau disse que nós não possuímos coisas; elas é que nos possuem. Cada novo objeto – seja uma casa, um carro, uma televisão ou um celular chique – é um fardo a mais que precisamos carregar.” Stephen King
A questão do consumismo não é exatamente nova, embora venha se agravando consideravelmente nos últimos anos. No fim do século XIX, o sociólogo e filósofo francês Émile Durkheim já alertava sobre a natureza humana e a cultura do consumo (DURKHEIM, 1972):
Por si mesma, a natureza humana não tem condições de estabelecer limites invariáveis a nossas necessidades. Por isso, na medida em que forem deixadas somente a cargo do indivíduo, essas necessidades são ilimitadas. Sem reportar-se a uma influência regulamentadora externa, nossa capacidade de ter sensações é um poço sem fundo que nada pode satisfazer. Mas, nesse caso, se nada externo consegue restringir essa capacidade, ela só pode ser uma fonte de tormento para si mesma. Os desejos ilimitados são insaciáveis por definição, e a insaciabilidade é corretamente considerada um sintoma patológico. Só a sociedade pode desempenhar esse papel moderador, pois é a única força moral superior ao indivíduo.
Durkheim, no entanto, estava longe de ser o único preocupado com essa “patologia do desejo consumista”. Mais recentemente, o filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) abordou a questão do consumismo sob o viés da desigualdade socioeconômica, destacando que “todo mundo pode ser lançado na moda do consumo; todo mundo pode desejar ser um consumidor e aproveitar as oportunidades que esse modo de vida oferece, mas nem todo mundo pode ser um consumidor” (BAUMAN, 1999).
Trata-se de uma clara contradição: enquanto a capacidade de consumir os diversos bens, serviços e produtos não está disponível para todos, todos são diariamente bombardeados por apelos publicitários de integração social e felicidade (teoricamente) proporcionadas pelo consumo. Assim, as pessoas que não podem aderir a essa onda consumista acabam submetidas a um cruel processo de marginalização social.
Em 2018, um relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) elencou o Brasil como o sétimo país mais desigual do mundo. O estudo é fundamentado no coeficiente Gini, aplicado para mensurar acúmulo de renda e desigualdades (Pnud, 2018). Aqui, os 10% mais abastados concentram 41.9% da renda total do país, enquanto, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre 2014 e 2018, a renda dos 5% mais pobres despencou 39%. No mesmo período, foi registrado um aumento de 67% na população em situação de extrema pobreza. Nesse contexto, o acesso aos produtos oferecidos pela sociedade de consumo é ainda mais limitado e restrito a certos segmentos.
Bauman reflete ainda sobre um grave efeito direto desse “consumismo elitizado”: a criminalidade (BAUMAN, 1999).
“O que se registrou nas últimas décadas como criminalidade crescente não é um produto de disfunção ou negligência, mas um produto próprio da sociedade de consumo, legítimo em termos lógicos (se não legais). Mais do que isso, é também seu produto inescapável ainda que não se qualifique desse modo segundo a autoridade de alguma comissão oficial de qualidade. Quanto maior a demanda de consumo, mais segura e próspera será a sociedade de consumo. Ao mesmo tempo, mais larga e profunda se tornará a lacuna entre os que desejam e podem satisfazer seus desejos e os que foram seduzidos de forma adequada, mas são incapazes de agir de forma como se espera que ajam. Louvada como um grande equalizador, a sedução de mercado também é um divisor singular e incomparavelmente eficaz.”
O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), de 2016, informou que, somente no Brasil, havia 278.809 pessoas encarceradas por crimes contra o patrimônio (INFOPEN, 2016). Apesar disso, os índices relativos à redução da criminalidade e à pacificação não melhoraram - provavelmente por ser um assunto que exija, além de punições e castigos, uma ampla reflexão coletiva em prol da construção de um novo modelo capitalista, mais equilibrado, inclusivo e, sobretudo, consciente.
Referências
DURKHEIM, Emile. Selected Writings. Cambridge University Press, 1972.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
Pnud, 2018. Relatório do Desenvolvimento Humano 2018. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/idh/relatorios-de-desenvolvimento-humano/relatorio-do-desenvolvimento-humano-2018.html Acesso em: 15/12/2020.
GIDDENS, Anthony. Crime e Desvio. In:____ Sociologia. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, p. 202-243.
INFOPEN, 2016. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/assuntos/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf Acesso em: 15/12/2020.
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