XP, Safra e Vitreo lançam veículos para investir nos mercados regulados de CO2 da Europa e dos Estados Unidos. Entenda qual a tese, como eles aplicam — e quais os riscos envolvidos
Por Natalia Viri15 de junho de 2021
Em meio à onda de produtos de investimento mais sustentáveis e à busca por ativos sem correlação com os produtos mais tradicionais de renda fixa e variável, plataformas de investimento aqui no Brasil começaram a oferecer fundos que aplicam em mercados de carbono já consolidados no exterior.
Vitreo, Safra e, agora, XP lançaram veículos com exposição aos mercados de contratos futuros de crédito de carbono na Europa (em alguns casos, também em mercados nos Estados Unidos), abertos para qualquer tipo de investidor, com tíquetes de entrada que variam de R$ 100 a R$ 1000.
A maior exposição é ao mercado regulado europeu, o maior e mais antigo sistema de comércio de emissões de gases de efeito estufa do mundo, e cujos preços subiram mais de 100% nos últimos 12 meses, em meio ao aperto dos compromissos de descarbonização da União Europeia.
Mas, afinal, em que aplicam esses fundos e qual a tese por trás do investimento?
Tecla SAP
Se a primeira coisa que vem à sua cabeça quando se fala em créditos de carbono são incentivos a projetos florestais, daqueles que ajudam a manter a floresta em pé, nesse caso não é exatamente assim.
Antes de mais nada, é preciso entender que existem dois tipos de mercado de carbono. No voluntário, as empresas compram créditos (de projetos florestais, por exemplo, que sequestraram ou evitaram emissões), para fazer compensação de suas emissões de forma espontânea.
Apesar de estar crescendo bastante, esse mercado não chega a 5% do que é negociado nos mercados regulados. Além disso, com liquidez relativamente pequena, a formação de preços ainda é mais opaca.
Já nos mercados regulados, governos nacionais, estaduais ou regionais determinam esquemas fechados de comercialização, envolvendo setores específicos, para estimular a descarbonização. A lógica é que, ao taxar a poluição, as empresas têm um incentivo para procurar alternativas limpas.
É o caso do sistema de comércio de emissões europeu, que está em vigor desde 2005 e no ano passado movimentou mais de € 200 bilhões, o equivalente a 75% do mercado global de emissões de carbono em volume de negócios e cerca de 85% em valor de mercado.
O ETS europeu engloba principalmente empresas de energia e indústria pesada e abrange cerca de 40% das emissões do território (e, ao menos por ora, não permite offsets florestais).
Em linhas gerais, o governo fixa um limite de emissões para as entidades reguladas pelo sistema e concede permissões de emissões compatíveis com esse limite, que são vendidas ou distribuídas gratuitamente.
Se uma empresa excede o limite permitido, tem que comprar permissões de empresas que não utilizaram tudo o que podiam. Agentes de mercado podem entrar até um certo limite para fazer a especulação — e é nos contratos futuros dos preços dessas permissões que entram os fundos.
Expectativa de alta (e riscos)
A expectativa geral é que os preços do carbono no mercado europeu subam nos próximos anos, por conta dos compromissos cada vez mais agressivos do bloco econômico, que devem se traduzir na diminuição das permissões de poluição em circulação. Já há calendários prevendo a redução na oferta.
Mas, apesar da tendência de alta, investir no mercado de carbono é uma aposta de risco. Como em todo mercado regulado, mudanças na política de permissões ou na trajetória de descarbonização dos países do bloco podem trazer oscilações abruptas.
Com o preço do carbono chegando próximo ao patamar de US$ 60 por tonelada neste primeiro semestre, indústrias e empresas intensivas em carbono — como as siderúrgicas — começam a sentir a dor e têm feito forte pressão política por um alívio na taxação. De acordo com a Bloomberg, a Comissão Europeia considera, por exemplo, reduzir a quantidade de permissões que podem ficar na mão de investidores numa revisão periódica de regras para esse mercado prevista para o fim do ano.
O que tem em cada fundo
Pioneiro, o Vitreo Carbono, lançado no fim de abril, investe apenas no mercado europeu por meio de índices de contrato futuro. O investimento inicial é de R$ 1000 e não há hedge cambial, ou seja o investidor fica exposto à variação do euro. A taxa de administração é de 0,9% ao ano.
A Vitreo é a única a cobrar taxa de performance, de 10% sobre o que exceder a variação do euro mais 5% — uma prática pouco comum para fundos passivos, que apenas seguem o desempenho de algum índice e não têm um trabalho mais ativo por parte dos gestores. O Safra Direct Carbono, que começou a ser oferecido no começo do mês na plataforma Safra Invest, por ora também investe exclusivamente no mercado europeu, ainda que possa, por mandato, também investir nos mercados americanos.
O tíquete mínimo é o mesmo, de R$ 1000, com taxa de administração de 1% e há duas opções: sem e com exposição à variação cambial (nesse caso, convertida em dólar em vez do euro).
Caçula da lista, o Trend Carbono Zero, da XP, é o de menor tíquete de entrada (R$ 100) e menor taxa de administração (0,5%), sem exposição cambial. Além disso, tem uma diferença relevante em relação aos dois concorrentes: oferece 75% de exposição ao mercado europeu e 25% ao mercado americano, onde há dois esquemas regionais mais robustos.
Nos Estados Unidos, o fundo aplica nos futuros do mercado da Califórnia, que existe desde 2013, e o chamado RGGI, que opera desde 2009 e envolve diversos Estados do Nordeste americano, como Nova York, Nova Jersey e Virginia.
Na prática, o fundo da XP segue o ETF KraneShares Global Carbon (KRBN), criado em julho de 2020, e que replica o índice IHS Markit Global Carbon, que engloba os mercados regulados de carbono mundiais com os contratos futuros mais negociados. Em dólar, o índice sobe 43,9% no ano e 100% no intervalo de 12 meses.
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